segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

#PartiuMundo - Além das nossas paredes


Por Juliana Duarte, Jornalista, de Recife - PE














"O primeiro trajeto foi Recife (REC) – Lisboa (LIS) – Barcelona (BCN) e a companhia aérea a TAP Portugal. Tudo o que eu precisei apresentar no Aeroporto, aqui em REC, foi a nota fiscal da bateria da minha cadeira motorizada, com a descrição do produto comprovando que ela NÃO é de Lítio, e sim de um material autorizado em voos.

Se você tem uma cadeira motorizada, eu aconselho que guarde bem direitinho esse documento! Vai que um dia você decide ganhar o mundo... Ter a descrição da bateria em nota pode facilitar a sua vida. Muito embora, aeroporto europeu nenhum tocou mais nesse assunto.

Aliás, se você não deu sorte na vida e é um cadeirante que precisa muito de uma cadeira motorizada para ter autonomia nessa vida (que nem eu!) eu aconselho ainda mais: nem tenha uma cadeira que só aceita baterias automotivas (de lítio), ela provavelmente não será aceitas pelas companhias aéreas e enfim, vai ser aquela dor de cabeça na hora de viajar. Pra quê complicar ainda mais a vida da gente, né?

Em nenhum dos voos (REC-LIS-BCN-LIS-REC) despachei a minha cadeira como bagagem.  Embarquei com ela, o que significa: ir na sua própria cadeira até a porta do avião, lá eles te ajudam a transferir para uma cadeira estreitinha e te levam até a fileira do seu assento, que normalmente é uma próxima ao banheiro. No desembarque é feito o inverso. Não sei bem onde guardaram a minha cadeira, só sei que não foi no compartimento de bagagem e que ela sempre voltava inteira!

Sempre teve ambulift quando precisou, profissionais bem treinados e eu não fui esquecida dentro de nenhuma nave! Até porque eu nunca era a única cadeirante dos voos que pegava. Teve um voo que teve cadeirantes, bebês e cachorros. Assim, uma coisa bem família.

Tanto o aeroporto de BCN quanto o de LIS oferecem um serviço de transporte (acessível, claro!) chamado AeroBus. Trata-se de um ônibus que sai do Aeroporto a caminho de algum ponto central da cidade. Neste trajeto ele vai fazendo várias paradas em pontos preestabelecidos, basta perguntar qual a parada mais próxima ao endereço do hotel onde você vai se hospedar.

Em BCN, a tarifa custou cerca de 6 euros, por pessoa. E se você optasse por já comprar a ida e a volta, saía por cerca de 10 euros. Em LIS só era praticada a tarifa única, que estava custando 2 euros, por pessoa. Bem mais econômico do que táxi.
Só encontrei o site do de BCN, onde dá para comprar o ticket online: www.aerobusbcn.com

O Aerobus tem espaço para os passageiros empilharem suas malas, local destinado ao cadeirante, assentos para os demais passageiros, mecanismo para acionar uma rampa de entrada/saída do veículo e o melhor de tudo: Wi-fi grátis!


Tendo em mente que você é um cara esperto e já deu aquela velha e boa busca no Google sobre a sua cidade de destino, decidiu o que quer ver e fazer, montou seu roteirinho e tem um mapinha em mãos, agora é aproveitar!

Barcelona é linda, encantadora, cosmopolita, agitada e super acessível. Até a topografia da cidade facilita a vida do cadeirante, pois ela é bem plana, urbanisticamente bem pensada e fácil de se localizar. As calçadas estão todas em ótimo estado e os semáforo=s contam sempre com uma rampa de inclinação leve para a travessia.
Vista da entrada dos Jardins de Miramar

Até o bairro histórico medieval de Barcelona, o Barri Gótic, cheio de ruelas e sobrados, tem um piso de pedras que é super plano. Uma delícia circular por ali.
Imagina só a maravilha que é circular por essas ruas! A única parte meio chatinha é que quase todos os estabelecimentos comerciais dessa área tem puta batente pra entrar. Mas fazer o que? Nada é perfeito!













Essa foi a calçada mais estreita que eu encontrei andando pelas ruas de Barcelona, e olha que eu rodei bastante por lá!Todas as outras tinham bem três ou quatro metros de largura.
Os Jardins de Miramar é o único ponto de Barcelona que eu não recomendo nem pro mais raçudo dos jogadores de basquete adaptado ou praticantes de handbike, mais por conta da extensão das ladeiras até chegar no mirante do parque do que pela inclinação delas. E se você estiver sendo empurrado, a pessoa que estiver te empurrando vai fazer uma boa malhação! Mas sendo a vista lá de cima tão bela e estonteante, é um passeio recomendável para os motorizados. Um rolê de teleférico, lá próximo ao mirante, também deve ser show de bola, pena que não estava em funcionamento no horário em que eu fui.

Mas existe o plano B! Lá na cidade existem duas (que eu saiba) empresas que alugam scooters e cadeiras motorizadas. Não foi a minha opção, mas caso alguém se interesse, custa quase 40 euros, a diária. Tá aqui os contatos:


Um recorte da vista que se tem do mirante

A hospedagem...

Eu fiquei hospedada num quarto acessível do hotel ATH Citypark Pelayo. Acredito que não seja difícil encontrar hospedagem acessível por lá, pois esse já era o hotel previsto no pacote, apenas solicitamos a reserva dessa suíte em especial:
A planta-baixa do andar fica fixada na porta do quarto, na parte interna. Eu estava no apartamento acessível, que está em verde-claro. O quarto e o hotel, como um todo, eram bem ‘apertadinhos’. Mas nada que impossibilite a estadia do cadeirante

O quarto era minúsculo, difícil até de fazer um giro com a cadeira, mas pelo menos com o banheiro estava tudo ok! A adaptação era funcional. 
Ponto positivo para a porta de correr que separava o quarto
 do banheiro, mas ponto negativo para a ideia de manter os cabides pendurados a essa altura


Como eu não tenho muito controle de tronco, não curto muito aqueles bancos rebatíveis que são instalados em alguns banheiros, na parte do banho. Solicitei uma cadeira, eles foram gentis mas o que tinham para oferecer era somente uma cadeira simples, sem braços e que já ficava no quarto. Apesar de ser de madeira, permitiram de boa que ela fosse utilizada durante o banho. Além disso, não havia desníveis em nenhuma parte da suíte e o box era de cortina.







Achei o balcão onde ficava disposto o café da manhã bem alto...
À mesa, o esquema de sempre: juntar duas e ficar no meio


 Um rolezinho na Cataluña...

A minha dica de turismo na cidade é o Sightseeing Bacelona, um ônibus que faz um tour pela cidade com paradas nos principais pontos turísticos. O que eu achei mais interessante nesse sistema é que o turista recebe um folder com um mapinha do trajeto indicando onde são as paradas e resumindo sobre cada um dos pontos, mas é ele quem decide aonde vai descer e quanto tempo quer ficar, pois os ônibus passam a cada 20min e o bilhete é válido por dois dias (e noites) de passeio.

Eles entregam um fone de ouvidos na entrada, aí é só conectar e selecionar um idioma para ouvir a narração contando um pouco da história de cada um dos pontos.
A rampa de embarque/desembarque só precisa ser puxada para dentro ou para fora. Nada de botões, nem controles. A ausência de mecanismo elétrico é uma coisa muito boa porque reduz a quase zero a possibilidade de quebrar. Sem contar que os ônibus por lá já não são tão altos feito as “carroças” que a gente tem aqui pelo Brasil, onde são necessários três degraus pra se alcançar o patamar do veículo. Lá, isso se faz com apenas um batente; então a rampa fica com uma inclinação bem razoável quando é aberta.

O City-Sightseeing é como uma multinacional que oferece serviço de turismo por várias cidades mundo afora. Antes de fazer qualquer viagem, você pode procurar no site da empresa se, na sua cidade de destino, ele é ofertado. E ainda dá pra fazer o book-in online! www.city-sightseeing.com
Barcelona é uma cidade que eu vou sempre recomendar. Seja pra viajar com a família, com os amigos, com o Love ou até praqueles cadeirantes mais radicais que curtem fazer as malas e cair no mundo sozinhos. Acessibilidade (ou falta dela) nunca será um item causador de transtornos.

Lisboa não é uma Cidade recomendável para o turismo de cadeirantes. Apesar de linda, cheia de História e de ter uma culinária deliciosa, a acessibilidade deixa a desejar. Uma das primeiras chatices que eu encontrei por lá foram... adivinha só? As malditas pedras portuguesas em praticamente TODAS as calçadas! Até aí nenhuma novidade para nós, sofridos cadeirantes brasileiros herdeiros dessa desgraça, digo, ITEM arquitetônico.

Não posso ser injusta e deixar de abrir um parênteses para dizer que até as pedras portuguesas de Lisboa eram melhores do que as do Recife (estou fechando só aqui na minha cidade porque são as calçadas que conheço bem). Ao menos não encontrei, na terra de Camões, grandes desníveis provocados por raízes de árvores antigas e associados a incompetência do poder público, nem as habituais ‘crateras’ formadas pela ausência de várias pedrinhas em pontos diversos na extensão de uma mesma calçada.

Mares (por mim) nunca d’antes navegados


Guia rebaixada nas esquinas não era muito comum. Até quando tinha semáforo e faixa de pedestre, às vezes faltava a rampa. Também foi mais difícil encontrar hospedagem acessível, terminei tendo que reservar um quarto no Íbis Liberdade, que nem era o hotel incluído no pacote. http://www.accorhotels.com/pt/hotel-3137-ibis-lisboa-liberdade/index.shtml


A suíte acessível do Íbis tem três características negativas.  São elas:
 1.       O cabideiro ficava numa altura completamente inalcançável por um cadeirante
2.       A cama tinha uns 65cm de distância do chão, o que é MUITO
3.       Os botões de controle do aquecedor ficavam fixados na parede a uma altura completamente fora do alcance de uma pessoa sentada, devia ser 1,75m do chão, mais ou menos.
 Tirando esses itens, o resto era tranquilo. Tanto o quarto como o banheiro eram confortáveis e suficientemente amplos.


 Mas como nem tudo são flores, no banheiro eu encontrei um grande problema! Entrei em contato por email meses antes para saber da disponibilidade deste quarto e aproveitei para perguntar se o hotel dispunha de cadeira higiênica para o banho: a resposta foi negativa. Chegando lá eu vi que também não tinha daqueles banquinhos rebatíveis que ficam presos à parede do box. Aí ficou a dúvida: Como será que os portugueses acham que nós cadeirantes fazemos para tomar banho?
Pra não perder tempo procurando resposta para a falha alheia, peguei a cadeira de madeira que ficava no quarto sem hesitar! E desta vez, não avisei, nem pedi a ninguém do hotel.

Eu achei o balcão do café da manhã um pouco alto e os pés das mesas quadradas impedem o cadeirante de se aproximar delas. Mas também haviam mesas redondas e eu prefiro porque dá pra se posicionar melhor. A foto abaixo foi feita na calçada do próprio Íbis, esse “lance” de rampa com escada numa mesma calçada até que foi uma alternativa inclusa. Só que a parte rampeada é tão íngreme que até motorizada eu fiquei com medo de andar por essa calçada sozinha. E assim é em praticamente toda região central de Lisboa: muita ladeira e pedras portuguesas!






Em LIS nós usamos um serviço particular de turismo. Por opção do grupo mesmo. Visitamos parques, museus, monumentos, igrejas, palácios... Mas sobre o tráfego de um cadeirante pelas ruas da cidade eu só posso falar sobre o que eu via da janela da van que nos levava. E a paisagem não era muito animadora. Apesar de haver uma preocupação com a acessibilidade física em muitos dos pontos turísticos que eu visitei, – como por exemplo, com a existência de rampas removíveis para a pessoa poder transpor os vários batentes de palácios e museus antigos – essa mesma preocupação parecia nem existir nos demais pontos por onde eu passava.
Não consigo lembrar de um restaurante, pastelaria (como os portugueses chamam as lanchonetes), confeitaria, café, NADA, onde tivessem feito uma rampa ao invés de um ou mais degraus.

Tiramos uma tarde para visitar o Centro comercial Colombo - http://www.colombo.pt/ - e quando eu quis ir no banheiro, tive que ficar um tempo na porta do acessível esperando a pessoa, para minha surpresa, SEM deficiência sair. Mas o pior de tudo foi... PASMEM!!! O taxista português, dono de uma Doblò, que se recusou a fazer a viajem comigo. Embora eu estivesse com parentes, os quais garantiram que minha cadeira cabia inteira na mala e asseguraram que eles mesmos fariam isso, o motorista não foi sincero (como os brasileiros, que jogam logo a real na sua cara e dizem que não levam cadeirantes, sem cerimônia) e ficou inventando desculpa, até que arranjamos outro e seguimos.


Não quero ser cruel na minha avaliação, mas Lisboa eu só recomendo paras os que são apaixonados pela História do lugar, para os que são muito católicos e curtem ficar visitando igrejas e mosteiros ou para quem (assim como eu) não teve oportunidade de definir o destino da viajem sozinho. E viajem pra Europa ninguém é bobo de recusar, né?!"
  

*Os valores mencionados nesse artigo referem-se aos preços que estavam sendo praticados em fevereiro de 2015


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Nós do inperfeitas agradecemos a participação de Juliana Duarte contando como foi sua experiência de viagem. 
Belo texto e esperamos que seja um norte para os leitores interessados em partir....viajar... descobrir-se ;)