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Por Juliana Duarte, Jornalista, de Recife - PE |
"O primeiro trajeto foi Recife (REC) – Lisboa
(LIS) – Barcelona (BCN) e a
companhia aérea a TAP Portugal. Tudo o que eu precisei apresentar no Aeroporto,
aqui em REC, foi a nota fiscal da bateria da minha cadeira motorizada, com a
descrição do produto comprovando que ela NÃO é de Lítio, e sim de um material
autorizado em voos.
Se você tem uma cadeira motorizada, eu aconselho
que guarde bem direitinho esse documento! Vai que um dia você decide ganhar o
mundo... Ter a descrição da bateria em nota pode facilitar a sua vida. Muito
embora, aeroporto europeu nenhum tocou mais nesse assunto.
Aliás, se você não deu sorte na vida e é um
cadeirante que precisa muito de uma cadeira motorizada para ter autonomia nessa
vida (que nem eu!) eu aconselho ainda mais: nem tenha uma cadeira que só aceita
baterias automotivas (de lítio), ela provavelmente não será aceitas pelas
companhias aéreas e enfim, vai ser aquela dor de cabeça na hora de viajar. Pra
quê complicar ainda mais a vida da gente, né?
Em nenhum dos voos (REC-LIS-BCN-LIS-REC) despachei
a minha cadeira como bagagem. Embarquei
com ela, o que significa: ir na sua própria cadeira até a porta do avião, lá
eles te ajudam a transferir para uma cadeira estreitinha e te levam até a
fileira do seu assento, que normalmente é uma próxima ao banheiro. No
desembarque é feito o inverso. Não sei bem onde guardaram a minha cadeira, só
sei que não foi no compartimento de bagagem e que ela sempre voltava inteira!
Sempre teve ambulift quando precisou, profissionais
bem treinados e eu não fui esquecida dentro de nenhuma nave! Até porque eu
nunca era a única cadeirante dos voos que pegava. Teve um voo que teve
cadeirantes, bebês e cachorros. Assim, uma coisa bem família.
Tanto o aeroporto de BCN quanto o de LIS oferecem
um serviço de transporte (acessível, claro!) chamado AeroBus. Trata-se de um
ônibus que sai do Aeroporto a caminho de algum ponto central da cidade. Neste trajeto
ele vai fazendo várias paradas em pontos preestabelecidos, basta perguntar qual
a parada mais próxima ao endereço do hotel onde você vai se hospedar.
Em BCN, a tarifa custou cerca de 6 euros, por
pessoa. E se você optasse por já comprar a ida e a volta, saía por cerca de 10
euros. Em LIS só era praticada a tarifa única, que estava custando 2 euros, por
pessoa. Bem mais econômico do que táxi.
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O Aerobus tem espaço para os passageiros empilharem suas malas, local
destinado ao cadeirante, assentos para os demais passageiros, mecanismo para
acionar uma rampa de entrada/saída do veículo e o melhor de tudo: Wi-fi grátis!
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Tendo em mente que você é um cara esperto e já deu
aquela velha e boa busca no Google sobre a sua cidade de destino, decidiu o que
quer ver e fazer, montou seu roteirinho e tem um mapinha em mãos, agora é
aproveitar!
Barcelona
é linda, encantadora, cosmopolita, agitada e super acessível. Até a topografia
da cidade facilita a vida do cadeirante, pois ela é bem plana, urbanisticamente
bem pensada e fácil de se localizar. As calçadas estão todas em ótimo estado e
os semáforo=s contam sempre com uma rampa de inclinação leve para a travessia.
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Vista da
entrada dos Jardins de Miramar
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Até o bairro histórico medieval de Barcelona, o Barri Gótic, cheio de
ruelas e sobrados, tem um piso de pedras que é super plano. Uma delícia
circular por ali.
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Imagina só a maravilha que é circular
por essas ruas! A única parte meio chatinha é que quase todos os
estabelecimentos comerciais dessa área tem puta batente pra entrar. Mas fazer o
que? Nada é perfeito!
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Essa foi a calçada mais estreita que eu encontrei andando pelas ruas de Barcelona, e olha que eu rodei bastante por lá!Todas as outras tinham bem três ou quatro metros de largura. |
Os Jardins de Miramar é o único ponto de Barcelona
que eu não recomendo nem pro mais raçudo dos jogadores de basquete adaptado ou
praticantes de handbike, mais por conta da extensão das ladeiras até chegar no
mirante do parque do que pela inclinação delas. E se você estiver sendo
empurrado, a pessoa que estiver te empurrando vai fazer uma boa malhação! Mas
sendo a vista lá de cima tão bela e estonteante, é um passeio recomendável para
os motorizados. Um rolê de teleférico, lá próximo ao mirante, também deve ser
show de bola, pena que não estava em funcionamento no horário em que eu fui.
Mas existe o plano B! Lá na cidade existem duas
(que eu saiba) empresas que alugam scooters e cadeiras motorizadas. Não foi a
minha opção, mas caso alguém se interesse, custa quase 40 euros, a diária. Tá
aqui os contatos:
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Um recorte da vista que se tem do mirante
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A hospedagem...
Eu fiquei hospedada num quarto acessível do hotel
ATH Citypark Pelayo. Acredito que não seja difícil encontrar hospedagem
acessível por lá, pois esse já era o hotel previsto no pacote, apenas
solicitamos a reserva dessa suíte em especial:
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A planta-baixa do andar fica fixada na porta do quarto, na parte
interna. Eu estava no apartamento acessível, que está em verde-claro. O quarto
e o hotel, como um todo, eram bem ‘apertadinhos’. Mas nada que impossibilite a
estadia do cadeirante
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O quarto era minúsculo,
difícil até de fazer um giro com a cadeira, mas pelo menos com o banheiro
estava tudo ok! A adaptação era funcional.
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Ponto
positivo para a porta de correr que separava o quarto
do banheiro, mas ponto negativo para a ideia
de manter os cabides pendurados a essa altura
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Como eu não tenho muito controle
de tronco, não curto muito aqueles bancos rebatíveis que são instalados em
alguns banheiros, na parte do banho. Solicitei uma cadeira, eles foram gentis
mas o que tinham para oferecer era somente uma cadeira simples, sem braços e
que já ficava no quarto. Apesar de ser de madeira, permitiram de boa que ela
fosse utilizada durante o banho. Além disso, não havia desníveis em nenhuma
parte da suíte e o box era de cortina.
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Achei o
balcão onde ficava disposto o café da manhã bem alto...
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À
mesa, o esquema de sempre: juntar duas e ficar no meio |
Um
rolezinho na Cataluña...
A minha dica de turismo na cidade é o Sightseeing
Bacelona, um ônibus que faz um tour pela cidade com paradas nos principais
pontos turísticos. O que eu achei mais interessante nesse sistema é que o
turista recebe um folder com um mapinha do trajeto indicando onde são as
paradas e resumindo sobre cada um dos pontos, mas é ele quem decide aonde vai
descer e quanto tempo quer ficar, pois os ônibus passam a cada 20min e o
bilhete é válido por dois dias (e noites) de passeio.

Eles entregam um fone
de ouvidos na entrada, aí é só conectar e selecionar um idioma para ouvir a
narração contando um pouco da história de cada um dos pontos.
A rampa de
embarque/desembarque só precisa ser puxada para dentro ou para fora. Nada de
botões, nem controles. A ausência de mecanismo elétrico é uma coisa muito boa
porque reduz a quase zero a possibilidade de quebrar. Sem contar que os ônibus
por lá já não são tão altos feito as “carroças” que a gente tem aqui pelo
Brasil, onde são necessários três degraus pra se alcançar o patamar do veículo.
Lá, isso se faz com apenas um batente; então a rampa fica com uma inclinação bem
razoável quando é aberta.
O City-Sightseeing é como uma
multinacional que oferece serviço de turismo por várias cidades mundo afora.
Antes de fazer qualquer viagem, você pode procurar no site da empresa se, na
sua cidade de destino, ele é ofertado. E ainda dá pra fazer o book-in online!
www.city-sightseeing.com
Barcelona é uma cidade que eu vou sempre
recomendar. Seja pra viajar com a família, com os amigos, com o Love ou até
praqueles cadeirantes mais radicais que curtem fazer as malas e cair no mundo
sozinhos. Acessibilidade (ou falta dela) nunca será um item causador de
transtornos.
Já Lisboa não
é uma Cidade recomendável para o turismo de cadeirantes. Apesar de linda, cheia
de História e de ter uma culinária deliciosa, a acessibilidade deixa a desejar.
Uma das primeiras chatices que eu encontrei por lá foram... adivinha só? As
malditas pedras portuguesas em praticamente TODAS as calçadas! Até aí nenhuma
novidade para nós, sofridos cadeirantes brasileiros herdeiros dessa desgraça,
digo, ITEM arquitetônico.
Não posso ser injusta e deixar de
abrir um parênteses para dizer que até as pedras portuguesas de Lisboa eram
melhores do que as do Recife (estou fechando só aqui na minha cidade porque são
as calçadas que conheço bem). Ao menos não encontrei, na terra de Camões,
grandes desníveis provocados por raízes de árvores antigas e associados a
incompetência do poder público, nem as habituais ‘crateras’ formadas pela
ausência de várias pedrinhas em
pontos diversos na extensão de uma mesma calçada.
Mares (por mim) nunca d’antes navegados
A suíte acessível do Íbis tem três características
negativas. São elas:
1. O
cabideiro ficava numa altura completamente inalcançável por um cadeirante
2. A
cama tinha uns 65cm de distância do chão, o que é MUITO
3. Os
botões de controle do aquecedor ficavam fixados na parede a uma altura
completamente fora do alcance de uma pessoa sentada, devia ser 1,75m do chão,
mais ou menos.
Tirando esses itens, o resto era tranquilo. Tanto o
quarto como o banheiro eram confortáveis e suficientemente amplos.
Mas como nem tudo são flores, no banheiro eu
encontrei um grande problema! Entrei em contato por email meses antes para
saber da disponibilidade deste quarto e aproveitei para perguntar se o hotel
dispunha de cadeira higiênica para o banho: a resposta foi negativa. Chegando
lá eu vi que também não tinha daqueles banquinhos rebatíveis que ficam presos à
parede do box. Aí ficou a dúvida: Como será que os portugueses acham que nós
cadeirantes fazemos para tomar banho?
Pra não perder tempo procurando resposta para a
falha alheia, peguei a cadeira de madeira que ficava no quarto sem hesitar! E
desta vez, não avisei, nem pedi a ninguém do hotel.
Eu achei o
balcão do café da manhã um pouco alto e os pés das mesas quadradas impedem o
cadeirante de se aproximar delas. Mas também haviam mesas redondas e eu prefiro
porque dá pra se posicionar melhor. A foto abaixo foi feita na calçada do
próprio Íbis, esse “lance” de rampa com escada numa mesma calçada até que foi
uma alternativa inclusa. Só que a parte rampeada é tão íngreme que até
motorizada eu fiquei com medo de andar por essa calçada sozinha. E assim é em
praticamente toda região central de Lisboa: muita ladeira e pedras portuguesas!
Em LIS nós usamos um serviço particular de turismo.
Por opção do grupo mesmo. Visitamos parques, museus, monumentos, igrejas,
palácios... Mas sobre o tráfego de um cadeirante pelas ruas da cidade eu só
posso falar sobre o que eu via da janela da van que nos levava. E a paisagem
não era muito animadora. Apesar de haver uma preocupação com a acessibilidade
física em muitos dos pontos turísticos que eu visitei, – como por exemplo, com
a existência de rampas removíveis para a pessoa poder transpor os vários
batentes de palácios e museus antigos – essa mesma preocupação parecia nem
existir nos demais pontos por onde eu passava.
Não consigo lembrar de um restaurante, pastelaria
(como os portugueses chamam as lanchonetes), confeitaria, café, NADA, onde
tivessem feito uma rampa ao invés de um ou mais degraus.
Tiramos uma tarde para visitar o Centro comercial
Colombo -
http://www.colombo.pt/ - e
quando eu quis ir no banheiro, tive que ficar um tempo na porta do acessível
esperando a pessoa, para minha surpresa, SEM deficiência sair. Mas o pior de
tudo foi... PASMEM!!! O taxista português, dono de uma Doblò, que se recusou a
fazer a viajem comigo. Embora eu estivesse com parentes, os quais garantiram
que minha cadeira cabia inteira na mala e asseguraram que eles mesmos fariam
isso, o motorista não foi sincero (como os brasileiros, que jogam logo a real
na sua cara e dizem que não levam cadeirantes, sem cerimônia) e ficou
inventando desculpa, até que arranjamos outro e seguimos.

Não quero ser cruel na minha avaliação, mas Lisboa
eu só recomendo paras os que são apaixonados pela História do lugar, para os
que são muito católicos e curtem ficar visitando igrejas e mosteiros ou para
quem (assim como eu) não teve oportunidade de definir o destino da viajem
sozinho. E viajem pra Europa ninguém é bobo de recusar, né?!"
*Os valores mencionados nesse artigo referem-se aos
preços que estavam sendo praticados em fevereiro de 2015
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Nós do inperfeitas agradecemos a participação de Juliana Duarte contando como foi sua experiência de viagem.
Belo texto e esperamos que seja um norte para os leitores interessados em partir....viajar... descobrir-se ;)